'Cracker Island' é a doideira mais consistente que o Gorillaz já fez

Com a presença de Stevie Nicks, Thundercat, Tame Impala e até mesmo MC Bin Laden, oitavo álbum de 2-D e sua turma arrisca menos, mas com muito mais foco.

Gorillaz em 'Skinny Ape' | Divulgação

Que o Gorillaz é uma das bandas mais interessantes e inventivas dos últimos tempos, isso todo mundo já sabe (ou pelo menos, deveria saber). Porém, mesmo com o contínuo sucesso e a incessante vontade de Damon Albarn (voz de 2-D e criador da banda) de colaborar com todos os artistas do mundo, algumas incógnitas continuavam presentes aqui e acolá em seus últimos projetos, começando em 2017, com o divisível e desnecessariamente extenso álbum multifacetado, porém majoritariamente composto por house music, 'Humanz', que acredito ter sido o responsável por acentuar alguns dos problemas da grande hiperatividade da produção de Albarn.

Capa de 'Cracker Island' | Divulgação
Inicialmente como uma ideia para uma segunda parte/volume de seu colaborativo e de divulgação extremamente atrapalhada, 'Song Machine: Strange Timez', foi pouco a pouco sendo moldado como um novo projeto. E assim 'Cracker Island', oitavo álbum da queridinha banda virtual de 2-D, Noodle, Russ e Murdoc, tomava forma, até o seu lançamento na última sexta (24), após seus cinco singles ('Cracker Island', 'New Gold', 'Baby Queen', 'Skinny Ape' e 'Silent Running', respectivamente) estrondosos, assim como as suas colaborações que vão desde Kevin Parker do Tame Impala e Stevie Nicks ao talentosíssimo Thundercat. Nenhum deles é minimamente desinteressante. Eu juro que ainda estou preso em looping em alguns deles.

A sonoridade agora mergulha em um synthpop melancólico e simpático em sua maioria, mas também mantém ecletismo, marca registrada do grupo, ao explorar mais de reggaeton ao lado de Bad Bunny e outras melodias latino-americanas, por exemplo. Segundo Albarn, a tour feita pela banda no ano passado por aqui proporcionou grande inspiração para o álbum, o que fica visivelmente notável ao nos depararmos com a inesperada "funkadélica" 'Controllah', cantada quase inteiramente em português em parceria com MC Bin Laden, criada e anunciada pelo próprio quando os dois artistas se conheceram na passagem do Gorillaz pelo MITA Festival em São Paulo.

'Controllah' faixa com parceria de MC Bin Laden | Divulgação

Damon Albarn e MC Bin Laden em passagem pelo Brasil no ano passado | Divulgação

No mundo ficcional de 2-D e companhia, 'Cracker Island' é uma continuação dos eventos da grande narrativa da banda desenhada por Jamie Hewlett, e é contada parcialmente nos novos clipes de visual belíssimo da nova era: Após perderem o famoso estúdio em Plastic Beach (como visto no clipe de 'The Lost Chord' em 'Song Machine'), os Gorillaz se mudam definitivamente para uma mansão na colina de Silver Lake, em Los Angeles, aonde, sem nenhum motivo (o motivo: Murdoc, seu baixista megalomaníaco e suas péssimas ideias), decidem criar um culto chamado de "The Last Cult", que por consequência acaba arrumando problema com outro culto da região, que acredita na vida eterna, o "Forever Cult".

Como sempre, Albarn usa das histórias da banda animada para explorar temas reais, dessa vez se declarando pelos diferentes cenários e personagens de Los Angeles, romantizando-se aos montes nos cinematográficos cenários da Califórnia, ao mesmo tempo que debate as futilidades da fama e do mundo moderno como um todo, usando das alegorias dos cultos para se referir as redes sociais e os "pequenos cultos" que acabamos formando, por boas ou más intenções. Ou as vezes, por intenção nenhuma. Seja para falar da banda que gosta, ou espalhar desinformação e preconceito, por exemplo. A internet é a grande ilha, casa desses lunáticos ("crackers") que a banda faz referência. Ainda sim, Albarn afirma ser muito mais um estado de espírito do que um álbum veementemente crítico. 

Silent Running com Adeleye Omotayo é um dos pontos altos do álbum | Divulgação

Após de mais de vinte anos, o Gorillaz consegue trabalhar atmosfera, temática e ritmo, sem perder o foco, com uma das ouvidas mais fáceis que se pode ter em um álbum deles. E com um fator replay gigantesco, 'Cracker Island', por mais que não seja uma grande revolução sonora e experimental que alguma vez já fora vista em projetos antigos e mais consolidados da banda, ainda consegue ser fresco, poderoso e intencionalmente açucarado. E claro, divertido. Inclusive, é com um respiro tranquilo que posso dizer ser um dos melhores álbuns da banda até o momento. 

Alguns discordarão e acharão certas passagens chatas ou tediosas pelo "slow pacing" e suavidade de algumas das faixas, assim como li em algumas outras críticas por aí, mas a verdade é que são apenas 10 faixas e 37 minutos, o tamanho ideal para que o Gorillaz construísse um dos seus projetos mais sólidos e focados até agora. 'Cracker Island' soa e anuncia por todos os cantos ser um álbum e não uma grande coletânea de colaborações. E isso já seria o bastante para uma banda desse calibre, mas que nunca soube se decidir entre se perder em seus convidados astronômicos ou assumir o talento incondicional do britânico por trás do nosso adorável vocalista de cabelos azuis e olhos brancos. Mas além de equilíbrio e síntese, pensem que Damon Albarn conseguiu juntar uma ex-Fleetwood Mac, um ícone da música latina e um MC de funk brasileiro e fazer tudo isso ter sentido e ainda ser extremamente viciante. Parece até aquelas piadas de bar, mas é só o poder que o Gorillaz tem em mãos mesmo.


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